por Elizabeth Lima

Lucimar Bello foi pega, pela proximidade espaço-temporal com um edifício em construção – foi pega em meio à proliferação de habitações prêt-a-porter que invadem uma grande cidade. Sentia a premência de fazer alguma coisa com aquilo. Lucimar foi convocada, não podia deixar passar. Um movimento ininterrupto de criação e destruição do mundo gritava em sua janela. Não criamos porque queremos, somos obrigados a criar, nos ensina Deleuze. Atravessada pela produtividade proliferante da cidade, foi arrastada – às vezes acordava no meio da noite, “o prédio me pedia que eu o fotografasse”, nos conta ela. Como estancar o fluxo? Como fazê-lo passar? Como produzir marcas?

As imagens nos vão revelando um monstro em expansão, seus tentáculos surgindo do solo e, num ritmo maquinal, aumentando, crescendo pr’a frente, para os lados, em todas as direções. Crescia o monstro, crescia a urgência de contornar de alguma forma o movimento que comportava em um só tempo, criação e destruição.

Todos ficamos afetados. Associações surgem, perguntas, pensamentos, incômodos, ressonâncias. “A cidade não para, a cidade só cresce. O de cima sobe e o debaixo desce” (Chico Science).

A experiência estética instala-se assim num intervalo entre a ferida e sua cicatriz.

A cicatriz é tecido. Produção de tecido vivo para conter o escoamento do sangue e tentar refazer a superfície.

O CsO (Corpo sem Órgãos) instalado pelo acontecimento do encontro com um monstro que não para de crescer, clama por uma reterritorializaçao. A abertura indiscriminada para o exterior pede a construção de uma membrana que filtra, deixa passar ou impede, isto é, organiza os encontros[1]. Instaura-se um processo de produção de um corpo-arte[2].

Texto: Acerca das cartografias cidadianas de lucimarbello da Vila Olímpia.

Elizabeth Lima, 2006



[1] Deleuze, G. Espinosa: filosofia prática. São Paulo: Escuta, 2002. “Será dito bom, aquele que se esforça, tanto quanto pode, por organizar os encontros, por se unir ao que convém à sua natureza, por compor a sua relação com relações combináveis e, por esse meio, aumentar sua potência.” (p. 29).

[2] Termo cunhado por Marcus Vinícius Machado de Almeida na tese de doutorado A dança selvagem do corpo. Para este autor o CsO é um corpo de abertura para a criação mas o que o diferencia do corpo-arte é que este último é a constituição de um território a partir da abertura instaurada pelo CsO. Desta forma, o corpo-arte possibilita ao acontecimento, terminar de acontecer, através de sua contra-efetuação.