por Luis Aragon (sobre Coleções de Lucimar)

Lucimar querida,

 

As continuidades atrozes que raptam os instantes de uma vida – aquela que pretensamente se pode dizer minha – combinam pragmatismos, ordens inauditas, automatismos caducos, ruínas de ações que lograram perseverar num mundo que, de tão distante, encontra a intimidade de um si que não se pensa. Não pode pensar! Esta protética vida não suspeita o que lhe pode ocorrer à chegada de um pequeno pacote trazido pelo correio, aquele ainda envolvido com as sensações envelopadas em materialidades. O pacote traz seu nome, e assim se inicia a viagem…

A alegria intensa das cores que compõem um exterior traz no ventre inúmeras mãos. Mãos que me conduzem, tramam, tecem, compõem e decompõem uma artesania já começada e ainda em processo. Se me mergulham universos gestacionais de movimentos que não começaram agora e não se constrangem em fins ou finalidades. Sim, e, no entanto, a vida começa ali, e ali afirma seu fim e finalidade de se dar, retornando ao gesto inédito que a recria em surpresas e belezas, em trilhas e tintas, em pêlos e zelos.

Os vãos da existência trazem consigo o perigo do abismar das distâncias, mas também do arejar do espaçamento. Só aí, na indecisão das formas e cores e tons e memórias e saberes e futuros e fazeres, se viram surgir os primeiros esboços. Garatujas de limites alvoroçados, e alcances titânicos, absorviam passagens e secretavam sinuosidades fugazes. Sobrevôos de calcários borboleteios por entre perfumes de crepom; sabores distribuídos em artísticos relevos levando a desconhecidos mares; couros aquecendo lúdicas trilhas de pipocapensar.

As mãos que povoam e inquietam estes universos trabalham a matéria sutil que se quereria chamar mundo, e com isto se trabalham e transmutam em terra, mar, saberes, sonhos, futuros e alegrias. Alquimia delicada e concreta que, inadvertidamente, chega até aqui, agora, e se permite reinventar-se-me num ritual sagrado e simples, vital.

Lucimar, me diga: por quê estes desenhares, estas transpassagens de linhas e afetos, vincam os baixios dos existires e deságuam na foz onde um sussurro parece dizer… amor?

 

carinhoso abraço

luis aragon (25/07/12)